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Obesidade: quais as possíveis interferências nos exames laboratoriais e de imagem? 

A obesidade é uma doença crônica, de origem multifatorial e, cada vez mais, está presente na rotina de atendimentos clínicos veterinários.
 
Neste artigo, vamos destacar os principais desdobramentos causados pela obesidade animal nos procedimentos laboratoriais e entender porque ter confiança na experiência e no conhecimento técnico do profissional de patologia clínica é imprescindível. 
 
Os efeitos negativos da obesidade sobre a saúde e qualidade de vida de cães e gatos vêm sendo amplamente discutidos em diversos aspectos; pois para além da abordagem clínica, a obesidade também desafia a rotina de veterinários que trabalham em laboratórios e sentem o seu inevitável impacto no diagnóstico e no monitoramento dos pacientes.
 
Laboratório Clínico
 
Jugular de difícil acesso, garrote de difícil execução, veias periféricas finas e difíceis de palpar…
 
Essas são algumas circunstâncias adversas enfrentadas pelos patologistas clínicos em uma coleta de sangue de pacientes obesos; e que podem ser agravadas se esta condição estiver associada a outras doenças como cardiopatias ou então, a características de raça, como por exemplo, a braquicefalia. Mas é dentro do laboratório que os desafios podem se transformar em riscos, alterando amostras e comprometendo resultados.
 
A seguir, vamos detalhar algumas interferências e alterações que podem ocorrer comumente na análise de amostras de pacientes obesos, trazendo a necessidade de repetições para confirmação: 
 
Alterações na amostra: Lipemia 
 
Essa é a alteração laboratorial encontrada com maior frequência e que tem um impacto altamente relevante nos exames bioquímicos. 
 
A lipemia pós prandial é o aumento de triglicérides na amostra que acontece em pacientes saudáveis após a alimentação, e que pode ser facilmente contornada quando submetemos o animal a um jejum alimentar adequado.
 
Porém, em pacientes obesos, o jejum pode não ser suficiente para obtermos uma amostra de soro límpida e ideal para análise. A razão disso é que a obesidade é uma doença metabólica e, na maioria das vezes, está associada à outras doenças como diabetes melito, hiperadrenocorticismo e dislipidiemias. 
 
A interferência nos exames vai variar de acordo com diversos fatores: 
 
– o grau de lipemia: amostras pouco lipêmicas geram pouca interferência, enquanto lipemias intensas podem impossibilitar a realização de alguns exames.
 
– a marca do equipamento e sua metodologia: a metodologia utilizada pelo laboratório e a marca do equipamento também podem interferir, sendo que equipamentos mais modernos tendem a entregar um desempenho melhor ao analisar amostras lipêmicas.
 
– tipos de testes realizados: alguns testes, como a creatinina, sofrem pouca interferência. Já enzimas (ALT, FA, GGT, AST), testes calorimétricos (Proteína, Albumina) e eletrolíticos (principalmente fósforo) são mais vulneráveis, muitas vezes levando a resultados não fidedignos.
 
No hemograma, a lipemia interfere na dosagem de hemoglobina (e por consequência nos parâmetros CHCM e HCM) e na proteína plasmática total, levando a falso aumento. Refletem resistência insulínica e também podem predispor à lipidose hepática, pancreatite e aterosclerose. 
 
Achados laboratoriais
 
Algumas alterações laboratoriais também encontradas em pacientes obesos tem causas multifatoriais. São elas:
 
– alterações na glicemia: a hiperglicemia de jejum e a hiperinsulinemia são achados que podem indicar diabetes mellitus.
 
– alterações nas enzimas hepáticas: ALT, FA, AST e GGT podem sinalizar aumento devido a afecções concomitantes como hiperadrecorticismo, esteatose hepática e lipidose hepática em felinos.
 
IMPORTANTE: todas essas alterações devem ser investigadas em associação com outros exames, como o ultrassom abdominal.
 
– presença de inflamação no hemograma: a obesidade está associada a um estado de inflamação crônica que pode levar à leucocitose discreta, aumento de proteína C reativa (PCR) e de citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6).
 
ATENÇÃO: vale lembrar que esse tipo de inflamação sempre será discreta, com achados no diferencial compatíveis com inflamação da doença crônica (neutrofilia madura, linfopenia, monocitose).
 
– alterações hormonais: a obesidade é frequentemente concomitante a doenças endócrinas como hiperadrenocorticisto e hipotireoidismo. Por isso, caso os sintomas de outras doenças estejam presentes, a abordagem ao paciente obeso deve incluir uma avaliação hormonal. Alguns pacientes obesos podem apresentar ainda, alteração do cortisol basal, dificultando a diferenciação com hiperadrenocorticismo.
 
– possíveis alterações renais: pacientes obesos podem desenvolver hipertensão arterial sistêmica, que, a longo prazo, traz o risco de lesões renais. Fora isso, proteinúria leve associada à obesidade pode indicar lesão glomerular inicial. Nesses casos, a relação proteína:creatinina urinária (UPC) pode ser útil para o monitoramento desses pacientes.
 
Interferência e Achados em Exames de Imagem
 
Ultrassonografia Abdominal
 
ultrassonografia de pacientes obesos também observa maior complexidade.
 
O aumento do tecido adiposo subcutâneo e intra abdominal reduz a penetração do ultrassom, criando obstáculos para a visualização de estruturas profundas; e a gordura mesentérica também dificulta o contraste das camadas intestinais.
 
Nesses casos,  é  importante que o equipamento possua sondas de menor frequência para melhorar a qualidade da imagem das estruturas mais profundas, porém, é importante citar que a frequência utilizada no exame é diretamente proporcional à qualidade da imagem.
 
A contenção durante o exame é outro desafio constante, pois o acúmulo de tecido adiposo pode provocar dificuldade respiratória durante o exame. Há casos em que se faz necessário um pouco mais de firmeza na sonda para adentrar as regiões profundas, causando certo desconforto para o animal.
 
Dentre as alterações encontradas podemos citar ecogenicidade hepática aumentada, (podendo indicar esteatose), aumento de adrenais, processo inflamatório do pâncreas, e outros. 
 
Radiografia (Raio-X)
 
No exame radiográfico, os cuidados também estão presentes quando o paciente é obeso.
 
O excesso de gordura exige uma potência elevada do raio-x para a adequada penetração da radiação, decorrendo ao aumento da espessura da região em estudo.
 
No kV, esse aumento na emissão do raio-x, reduz o contraste entre as estruturas, mas, vale destacar que, com o aumento do tempo, aumenta-se a possibilidade do artefato de moção.
 
Nas radiografias abdominais, apesar da gordura intra abdominal melhorar o contraste entre os órgãos dessa região, em excesso pode comprometer a formação da imagem, dificultando a delimitação de órgãos.
 
Outros exemplos de limitações decorrentes da sobreposição do tecido adiposo podem ser citados em radiografias torácicas -como o acúmulo de gordura pericárdica, que pode simular falsa cardiomegalia-, e o tecido adiposo adjacente às paredes torácicas, que pode simular um falso padrão intersticial não estruturado.
 
A gordura abdominal é uma interferência significativa e costuma dificultar a movimentação do diafragma, prejudicando a expansão pulmonar e consequente avaliação das estruturas torácicas.
 
Ainda na região do tórax, o acúmulo de tecido adiposo em mediastino cranial prejudica a avaliação dos lobos carnais, indefinindo, por vezes, a delimitação da silhueta cardíaca ou até a caracterização de uma possível formação mediastinal.
 
Articulações
 
A sobrecarga exercida no sistema locomotor de pacientes obesos resulta, em médio e longo prazos, em desgaste precoce das articulações -osteoartrite-, principalmente em pacientes com alguma condição pré-existente, como por exemplo, a displasia coxofemoral ou displasia de cotovelo. No caso de pacientes jovens, os sinais são ainda mais graves. Outro exemplo seria a sobrecarga ligamentar, que pode resultar em ruptura por trauma crônico (sobrecarga).
 
Considerações Finais
 
A obesidade em cães e gatos é uma condição inflamatória e metabólica crônica, com repercussões significativas nas atividades laboratoriais e em exames por imagem como ultrassonografias e radiografias.
 
Conhecer os efeitos desses impactos, permite maior precisão na interpretação dos exames e ter experiência com seus desdobramentos, garante intervenções precoces que previnem doenças secundárias e melhoram sobremaneira a qualidade de vida dos pacientes.
 

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