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Como a cinomose ainda impacta o dia a dia na clínica veterinária

Se você é veterinário formado há mais tempo, certamente acompanhou a mudança na casuística da cinomose canina (vírus CDV) ao longo dos anos.
 
Por ser uma doença viral sistêmica de alta morbidade e mortalidade, por muitos anos foi presença constante em consultórios veterinários. O uso de vacinas vivas atenuadas transformou o panorama da doença em regiões com ampla cobertura vacinal, levando à  significativa redução de casos. No entanto, no Brasil, o CDV permanece endêmico, com variações regionais na prevalência e surtos periódicos em populações de cães com baixa cobertura vacinal.
 
Estudos nacionais e revisões regionais mostram que, tanto a detecção molecular, quanto estudos sorológicos, apontam para presença persistente do vírus nas comunidades caninas brasileiras. 
 
Atualmente, utiliza-se principalmente vacinas de vírus vivos atenuados, que induzem boa resposta imune humoral e celular na maioria dos cães. No entanto, estudos avaliando a cinética de resposta humoral em filhotes vacinados demonstram que, embora a soroconversão ocorra, existe variabilidade individual.
 
Fatores como interferência de anticorpos maternos, esquema vacinal inadequado, imunossupressão do animal e variabilidade na cobertura vacinal da população, influenciam a eficácia observada na prática clínica. Por isso, sabemos que o ideal é utilizar protocolos vacinais adaptados e, sempre que possível, avaliação sorológica concomitante. 
 
Cada caso é um caso. A seguir, vamos te ajudar a adaptar o protocolo vacinal para diferentes pacientes:
 
1) Meu paciente é um filhote
 
Protocolo oficial: iniciar esquema vacinal com vacinas de vírus vivos atenuados em série (ex.: 6, 9 e 12 semanas ou conforme bula), com reforço final mínimo após 12–16 semanas.
A última dose após 14–16 semanas reduz risco de falha por anticorpos maternos remanescentes.
 
Adaptando: em áreas endêmicas ou com risco de exposição precoce, alguns autores e protocolos clínicos utilizam esquema com dose adicional (ex.: 6, 8, 12 e 16 sem) ou escolha de vacinas com maior carga antigênica. Recomenda-se sempre consultar a bula da vacina e pesquisar trabalhos científicos realizados na sua região.
Caso o paciente tenha tido contato com contactante, há relatos de uso de vacinação pós-exposição com vacinas de alta carga viral como medida de controle. Estudos brasileiros apontam a redução de sinais clínicos em contactantes vacinados pós-exposição.
 
2) Meu paciente é um cão adulto com histórico vacinal confiável
 
Protocolo oficial: muitas clínicas adotam reforço a cada 1–3 anos dependendo do risco individual de exposição (sempre avaliar a casuística da doença na sua região). O mais utilizado é o protocolo anual de reforço, principalmente em regiões de casuísticas baixas e cobertura vacinal eficiente.
 
Adaptando: diretrizes internacionais e revisões latino-americanas recomendam avaliar risco individual (estilo de vida, exposição) e usar titulação (Vaccicheck) para criar um protocolo vacinal para cada paciente. Cães adultos com protocolo completo e evidência de titulação protetora podem receber reforços menos frequentes.
 
3) Meu paciente vive em região endêmica ou possui alto risco de exposição
 
Protocolo oficial: recomenda-se esquema vacinal rigoroso em filhotes (6, 8, 12 e 16 semanas), reforços periódicos idealmente a cada 6 meses e no mínimo anual.
 
Adaptando: seguir o protocolo vacinal de filhotes (6, 8, 12 e 16 semanas) e após esse período utilizar triagem sorológica (Vaccicheck) para ajustar intervalos. Animais com alta exposição (ONGs, canis, clínicas-escola, vida livre) devem ser considerados de alto risco e manejados com protocolos que favoreçam mínima janela de suscetibilidade (doses adicionais em filhotes, reforços anuais ou bienais conforme titulação do Vaccicheck, e orientações da bula da vacina utilizada).
 
Suspeita de cinomose: quais exames pedir (vacinado X não vacinado)
Sabemos que seguir o protocolo vacinal não é garantia de proteção contra a doença. O diagnóstico de cinomose deve integrar sinais clínicos (respiratório, gastrointestinal, ocular, cutâneo, neurológico), histórico vacinal e exames laboratoriais. Neste último caso, o histórico de vacinação prévia pode dificultar e restringir algumas alternativas diagnósticas. Isso porque o anticorpo produzido pela vacinação é do tipo IgG, o mesmo utilizado para detecção da doença pela maioria dos testes sorológicos.
 
A seguir, vamos te ajudar a escolher quais exames solicitar em cada caso.
 
• Meu paciente não é vacinado:
 
RT-PCR:
pesquisa DNA do vírus em secreções respiratórias (swab nasal/oral/conjuntival), sangue, urina ou fezes. Pode ser utilizado como principal teste para detecção da doença na fase aguda/virêmica, quando ainda não houve soroconversão.
A desvantagem é o prazo, mais longo que  outros exames, como descrevemos abaixo:
 
Testes rápidos imunocromatográficos do tipo antígeno:
é o mais utilizado em laboratórios veterinários, e detecta antígeno em materiais como swab de conjuntiva, swab nasal, sangue, urina, liquor. Podem ser usados como exames iniciais de triagem pela velocidade do resultado. No entanto, deve-se considerar que estes testes possuem limitações de sensibilidade e especificidade quando comparados ao PCR.
 
Testes rápidos imunocromatográficos do tipo anticorpo:
caso haja certeza que o paciente não recebeu imunização prévia, este teste pode ser utilizado em fases mais tardias da doença (fase neurológica por exemplo). Ele detecta o anticorpo IgG, que está relacionado a soroconversão tardia e vacinação. Um resultado positivo em um paciente nunca vacinado é altamente sugestivo de cinomose. 
 
esse exame é bem conhecido para monitorar a vacinação dos animais, mas também pode ser utilizado como ferramenta diagnóstica, com a vantagem de ser semi quantitativo, ou seja, permite saber se a concentração de anticorpos é alta ou baixa.
Títulos altos em animais não vacinados sugerem exposição/infecção prévia. Outra vantagem é que ele também detecta anticorpos de Parvovírus e Hepatite Infecciosa Canina, o que o torna ainda mais interessante para animais não vacinados.
Diagnósticos por sorologia pode ser limitados nas fases iniciais (soroconversão tardia), mas o Vaccicheck detecta IgG, portanto é recomendado para fases mais tardias. 
 
• Meu paciente é vacinado:
 
A interpretação dos exames laboratoriais neste caso torna-se mais complexa. A vacinação prévia produz anticorpos IgG, justamente os detectados na maioria dos testes sorológicos disponíveis. Assim, o mais recomendado é o uso de testes que detectam o antígeno/vírus.
 
RT-PCR:
detecta o vírus, portanto, uma escolha segura. As desvantagens para pacientes vacinados é o tempo de liberação do resultado e a limitação em casos mais tardios (ou seja, quando não há viremia).
Em cães vacinados há menos de 15 dias da realização do exame há algum risco de detecção do vírus vacinal.
 
Testes rápidos imunocromatográficos do tipo antígeno:
também uma das principais escolhas, podendo ser usado como triagem inicial, já que o resultado sai no mesmo dia.
Ressalta-se, porém, as limitações de sensibilidade e especificidade quando comparados ao PCR. Além disso, ainda está em discussão qual material ideal para testagem, lembrando que cada marca tem seu protocolo.
 
Testes rápidos imunocromatográficos do tipo anticorpo:
por detectar IgG, não tem utilidade para animais vacinados.
 
por ser semi quantitativo pode ter alguma utilidade. Um título alto em um paciente vacinado há muito tempo e que está com sinais clínicos de cinomose pode ser sugestivo.
O acompanhamento sorológico também é uma possibilidade. Neste caso, realiza-se o teste no momento inicial da doença e num momento mais tardio, caso haja aumento de título no segundo teste, pode ser sugestivo de infecção ativa.
 
Vale ressaltar que resultados negativos não excluem a infecção, e resultados positivos devem ser interpretados com cautela.
O diagsnóstico da cinomose é multifatorial e inclui avaliação clínica, exames laboratoriais como hemograma, testes sorológicos e biologia molecular.  Por isso, todos os achados devem ser interpretados em conjunto com a clínica do paciente.
 

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